Missionário ex-morador de Mandirituba conta como é a vida na Síria após terremotos
No dia 6 de fevereiro de 2023 uma sequência de terremotos atingiu o centro da Turquia e o noroeste da Síria, países situados no oriente médio. Os tremores chegaram a 7,8 na escala Richter, sendo o maior desastre registrado na região desde 1939. Ao todo, cerca de 41 mil pessoas morreram e milhares ficaram desabrigados. A maior parte da infraestrutura da Síria já havia sido destruída com a guerra que ocorre em seu território desde 2011, por isso a tragédia foi definida “como uma crise dentro de outra crise”.
A Síria passava por um longo processo de reconstrução de sua autonomia fortemente danificada por conflitos internos provocados durante a Primavera Árabe. Na época, os protestos contra o governo de Bashar al-Assad, presidente da Síria desde 2000, levaram o país a um abismo onde a oposição se radicalizou, dando início a uma guerra com o surgimento de rebeldes extremistas e terroristas islâmicos, lutando entre si e contra o governo. O conflito dura há 11 anos principalmente devido a interferência estrangeira, sobretudo de potências como a União Européia e os Estados Unidos.
O Missionário D. Franco mora na Síria há mais de três anos na cidade de Alepo, uma das mais importantes para o país e a mais afetada pelas mazelas da guerra. O frio, a fome e as epidemias já faziam parte do cotidiano de muitos sírios mesmo antes do terremoto. Ele conta que a escolha de viver por lá faz parte de uma missão pessoal, algo que ele define como uma resposta chamado de Deus. Ex-morador do município de Mandirituba, Região Metropolitana de Curitiba (PR), ele me contou um pouco de sua história e respondeu se tinha vontade de voltar para o Brasil.
“Eu nasci em Mandirituba em 78 e morei lá até os meus 16 anos. Depois morei um período em Curitiba, um ano em São Paulo e também em Londrina entre 2001 a 2005, época em que estudei na Universidade Estadual do Paraná em Apucarana. Desde 2005 estou fora do Brasil. Morei por 9 anos na Jordânia, um período nos Estados Unidos, fiz Mestrado na Itália e hoje estou a 3 anos na Síria. Sou um missionário leigo consagrado do movimento Focolares, que é um dos movimentos da igreja católica. Essa é minha escolha pessoal de missão. Eu senti o chamado de Deus para me doar a vida missionária e por isso estou aqui. É claro que eu tenho vontade de voltar e sempre a cada dois ou três anos consigo visitar minha família. Mas este momento é justamente o momento que as pessoas mais precisam, então eu coloco a disposição o pouco que tenho para tentar amenizar as dores que aqui se encontram”, disse D. Franco.
A mídia mundial tem relatado um número crescente de mortos após o terremoto. Há várias notícias dizendo que a quantidade de vítimas ultrapassa 40 mil. Perguntando sobre o que a mídia local tem esclarecido, Franco respondeu o seguinte:
“A midia local não tem divulgado muitas informações sobre o número de vítimas, mas vários jornais do mundo falam nesse momento em mais de 40 mil mortos, cerca de 31 mil na turquia e 9 mil mais ou menos aqui no norte da Síria. Pois claro, 4.500 são de uma região que é controlada pelos rebeldes e que nao está sob o domínio do governo. Então é mais difícil se ter acesso a dados, mas os números certamente são grandes, sobretudo porque alguns tremores continuaram mais leves”, explicou.
A respeito do trabalho que D. Franco realiza na Síria, ele me disse que estudou Economia e que dentro da comunidade do movimento Focolares onde vive, são realizados diversos projetos de apoio à população. De acordo com o Missionário, que é um dos diretores responsáveis por uma rede de projetos de geração de renda para famílias que perderam tudo na guerra, em ano eles conseguiram implantar 48 projetos bem sucedidos.
“Bem no dia em que iríamos fazer a entrega de alguns maquinários do último projeto, aconteceu o terremoto. Nós não oferecemos dinheiro… Em vez disso damos uma máquina de costura, por exemplo, para que uma família que tenha perdido seu ateliê durante a guerra possa recomeçar. O que buscamos em nossas missões e o mais importante em qualquer trabalho, é olhar para as pessoas e o contexto em que elas estão inseridas. Então mesmo a realidade do amor de Deus chega a essas pessoas através de ações concretas. Isso não se trata de proselitismo ou assistencialismo, mas de olhar para as pessoas, para o ser humano e o seu valor”, contou o Missionário.
Outro aspecto da missão que D. Franco realiza na Síria, é o trabalho com a formação humana e espiritual dos jovens. Ele me disse que 90% desse público deixariam o país se pudessem devido a falta de esperança no futuro. Através de pequenas ações de proximidade, a Igreja Católica ao lado Igreja Ortodoxa tentam construir laços de fraternidade entre todos. A base do trabalho do movimento Focolares, segundo o Missionário, é a regra de ouro presente em todas as religiões, inclusive no evangelho do cristianismo, que é “faça ao outro aquilo que você gostaria que fosse feito a ti e não faça ao outro o que não gostaria que fosse feito a você”. Para o entrevistado, isso é a base de qualquer diálogo.
A Síria vive um dos momentos mais delicados de sua história. Nos lugares em que ainda há eletricidade, a energia é fornecida duas horas por dia. O salário mínimo compra 10 litros de gasolina ou 15kg de banana. Diariamente, dezenas de famílias se reúnem para receber refeições quentes oferecidas por voluntários e pelo governo. O noroeste do país depende quase totalmente de ajuda humanitária para sobreviver, mas a assistência chega esporadicamente e bastante defasada devido aos conflitos internos do país. Mesmo assim, as pessoas estão fazendo aquilo em que se aprimoraram ao longo de anos de crise: dependendo uns dos outros para juntar os pedaços e continuar em frente.